Miguel Oliveira: carreira num ponto de viragem após sete temporadas no MotoGP
Seis anos depois de ter chegado ao MotoGP ao lado de Joan Mir, Fabio Quartararo e Francesco “Pecco” Bagnaia, Miguel Oliveira ocupa agora um lugar bem diferente dos seus colegas de geração de 2019. Mir e Quartararo já conquistaram títulos mundiais; Bagnaia seguiu com dois campeonatos consecutivos. Oliveira, por contraste, nunca lutou verdadeiramente por uma coroa — apesar de já ter somado mais vitórias na categoria rainha do que alguns desses campeões. Mais importante para o seu futuro imediato, ao contrário dos outros, ainda não tem um lugar garantido para 2026.
O que em tempos parecia um simples contrato de dois anos com a Pramac Yamaha tornou-se mais complicado devido a uma cláusula de saída de que todos no paddock falam há algum tempo. Sentado na hospitalidade da Pramac no Red Bull Ring, Oliveira falou com franqueza: depois de sete temporadas no topo do desporto, o seu tempo no MotoGP pode estar a chegar ao fim.
Não só os resultados — uma personalidade em descompasso com o espetáculo moderno
A diferença de Oliveira em relação a muitos dos seus colegas vai além das estatísticas. É uma presença invulgar na grelha: com 30 anos, irónico, por vezes mordaz mas mais frequentemente afável e discreto, fala inglês fluentemente e transmite uma imagem de profissionalismo refletido e de tom baixo. Esses traços parecem destoar da direção cada vez mais orientada para o entretenimento que o MotoGP segue sob a gestão da Liberty Media, onde os pilotos são cada vez mais esperados a ser personalidades mediáticas além de atletas.
Oliveira admite que poderia expandir a sua persona fora da pista — “Posso fazer e falar de coisas aleatórias e ser mais interessante fora da pista” — mas diz que preferia uma vida com muito menos redes sociais. Ri-se com a ideia de que o seu temperamento encaixaria melhor no MotoGP de há 15–20 anos do que na era atual, mas reconhece a necessidade de adaptação. Acredita que quem consegue ser cativante fora da moto ganha valor acrescido.
O único representante de Portugal — e o peso que isso traz
Outra forma em que Oliveira se distingue é simplesmente geográfica: há anos que é o único piloto português no MotoGP. Consegue enumerar nomes conhecidos de outros desportos motorizados portugueses — Tiago Monteiro, António Félix da Costa, Filipe Albuquerque e o já retirado Pedro Lamy — mas o facto de nenhum deles ser motociclista sublinha uma lacuna. A Espanha produz novos talentos de motociclismo quase todos os anos; Portugal não.
Esse isolamento tem sido uma faca de dois gumes. Pelo lado positivo, Oliveira beneficiou de um apoio intenso em casa — foi eleito quatro vezes atleta masculino português do ano, incluindo em 2020 quando a lista incluía grandes nomes — mas também sente que o foco pode ser implacável, porque o público português do MotoGP ainda é relativamente jovem. Afirma que a presença de outro piloto português ajudaria os adeptos a contextualizá-lo e a humanizá-lo; sem essa comparação, acaba por carregar sozinho grande parte das expectativas nacionais.
Momentos decisivos de carreira e oportunidades quase concretizadas
A jornada de Oliveira até e através da categoria rainha foi moldada por vários momentos de “porta giratória”. Os seus resultados nas classes de formação — 125cc, Moto3 e Moto2 — destacaram-no como material para o MotoGP. Desde cedo integrou o programa KTM/Red Bull: a Tech3 abriu-lhe a porta e serviu de trampolim para a equipa oficial. Houve também oportunidades quase concretizadas noutras frentes; uma possível vaga na Pramac Ducati por volta de 2017–18 desapareceu quando a ascensão de Bagnaia se tornou irresistível.
Na KTM fez um trabalho sólido com a Tech3, mas o ímpeto foi travado por uma lesão no pulso em 2021 que o próprio acredita ter prejudicado a sua forma num momento crucial. As posteriores mudanças de lugares e contratações — como a substituição por Jack Miller na equipa oficial da KTM em 2023, o exemplo mais doloroso — deixaram-no com a sensação de que o timing e as decisões em seu redor conspiraram contra a continuidade. Defende que sempre conquistou os seus lugares pelo mérito em pista, e não por apoios comerciais, e é por isso que os reveses que pareceram mais políticos ou oportunistas lhe custaram mais.
Quando a RNF evoluiu para o projeto satélite da Aprilia, mudou-se para lá — uma escolha que defende como forma de se sentir desejado e valorizado por uma equipa. A relação pareceu inicialmente promissora, mas lesões e resultados inconsistentes minaram a parceria e, quando a RNF se transformou em Trackhouse Aprilia, todas as partes pareciam prontas a seguir caminhos diferentes.
A experiência Yamaha e o desafio da adaptação à moto
A mudança seguinte para a Pramac Yamaha foi apresentada como um novo capítulo, mas não correu como esperado. Os testes não decorreram da melhor forma, as lesões voltaram a surgir e Oliveira tem tido dificuldades em encontrar a mesma sintonia com a M1 que alguns colegas conseguiram. Jack Miller, por exemplo, parece ter-se adaptado mais rapidamente, deixando Oliveira a questionar se a própria moto — e a forma como amplia ou penaliza certos erros — não será parte do problema.
Oliveira é franco sobre as diferenças entre fabricantes. Ele e muitos outros já notaram que a Ducati dá aos pilotos uma margem de manobra que disfarça determinados erros; a Yamaha, pelo contrário, é muito menos permissiva. Falhar um ponto de curva na Yamaha pode custar muito mais do que um erro semelhante numa Desmosedici, afirma, e esse caráter implacável torna mais fácil para os de fora julgar os pilotos com severidade quando falham. A agravar a dificuldade, um colega de equipa de grande nível como Fabio Quartararo, que tem sido consistentemente a referência na Yamaha, torna mais difícil para os outros pilotos da marca parecerem competitivos em comparação. Oliveira fala com admiração do talento de Quartararo e espera que o francês encontre satisfação na sua própria trajetória.
Um mercado em contração e o seu lugar nele
Todos estes fatores em pista e fora dela convergem numa realidade simples: o mercado de pilotos para 2026 está a encolher. As contratações da Yamaha e a chegada de nomes estabelecidos reduziram lugares; os talentos da Moto2 e de outras categorias estão a ser ligados a vagas de fábrica; e o próprio contrato de dois anos de Oliveira aparentemente continha cláusulas de saída que se tornaram tema de debate. Mesmo que ainda seja capaz de rodar a alto nível — as suas cinco vitórias na categoria rainha incluem o triunfo dominante em Portimão em 2020, que continua a ser o ponto alto da sua carreira — a janela de reentrada vai-se fechando com o tempo, especialmente à medida que as equipas apostam em projetos mais jovens ou em pilotos que encaixam em perfis comerciais específicos.
A idade também entra na equação. Aos 30 anos, é um dos veteranos da grelha — o quarto piloto mais velho a tempo inteiro, como se discutiu no Red Bull Ring — com apenas um pequeno grupo acima ou pouco abaixo. Isso não torna o regresso impossível, mas altera a matemática de risco–recompensa das equipas, sobretudo numa fase em que o MotoGP evolui técnica e comercialmente para novos regulamentos e novos públicos.
Aceitação, contas por fechar e o que vem a seguir
Ao longo de tudo isto, Oliveira transmite uma mistura invulgar de estoicismo e ambição privada. Publicamente tem-se mostrado comedido, até por vezes bem-disposto, mas fala com franqueza sobre a sensação de incompletude se tiver de deixar o paddock agora. Acredita que ainda tem mais para mostrar como piloto — uma posição que alguns podem interpretar como orgulho, outros como realismo — e aceita a dureza do desporto: a performance é o árbitro final e pode ser implacável.
A sua perspetiva sobre vitórias e derrotas é filosófica. As vitórias são memoráveis e importantes, mas passageiras; trazem alegria mas não são a única medida de uma vida ou carreira. Esse equilíbrio ajuda a explicar a sua serenidade perante uma situação contratual incerta. Garante que ficará “bem” — financeiramente está seguro após anos em equipas de fábrica ou quase-fábrica — e pessoalmente resiliente, independentemente do rumo seguinte. Brinca e insiste que ficará “mais do que bem.”
Se este for realmente o fim da história de Oliveira no MotoGP, será um legado complicado: um piloto que protagonizou momentos de brilhantismo e que carregou sozinho a bandeira do seu país, mas cuja carreira foi afetada por lesões, timing e pela delicada química entre equipa e máquina. Se não for o fim, terá de lutar por um lugar numa grelha cada vez mais orientada para novos mercados, novas personalidades e novas eras técnicas. Seja como for, os próximos meses determinarão se o quarteto de 2019 continuará ligado por um ponto de partida comum ou se ele se tornará definitivamente o elemento à parte.