Os gigantes portugueses do FC Porto conseguiram descobrir e desmantelar uma das maiores operações de revenda ilegal de bilhetes já expostas no futebol profissional, recuperando centenas de lugares no Estádio do Dragão que estavam a ser utilizados de forma ilícita para obtenção de lucro no mercado de revenda ilegal. Segundo o clube, o esquema gerava dezenas de milhares de euros por jogo.
Detalhes do esquema
De acordo com o FC Porto, um dos principais cabecilhas recrutava dezenas de pessoas para cederem os seus dados pessoais, que eram depois usados para registá-las como sócios do clube apenas “no papel”, permitindo a compra de bilhetes de época em seus nomes. “Estes esquemas atingiram uma escala impressionante, com dezenas de lugares controlados por um único indivíduo”, afirmou o clube em comunicado. Foram também identificadas empresas que processavam centenas de transações e funcionavam como fachadas para esta atividade ilícita.
Os turistas eram os principais alvos do esquema: em alguns casos, os bilhetes eram vendidos por até 800 euros (cerca de 695 libras) cada. Centenas de lugares já foram rastreados, identificados e recuperados pelo clube, embora a investigação continue em curso e o número total de assentos recuperados possa aumentar.
Além da revenda de bilhetes legítimos a preços inflacionados, o clube descobriu ainda bilhetes falsos a serem anunciados e vendidos — mas, nesses casos, as possibilidades de compensação são limitadas, e o FC Porto apenas aconselha os adeptos a evitarem canais não oficiais.
Exemplo de caso
O The Guardian tomou conhecimento da operação após o jogo de abertura do campeonato entre o FC Porto e o Vitória S.C. (Vitória de Guimarães), disputado a 11 de agosto, quando dois turistas dinamarqueses foram vistos vestidos com as cores azul e branca do clube e a conversar na estação de metro junto ao estádio. Um dos adeptos afirmou que a experiência foi “incrível”, mas ficou surpreendido com o preço elevado dos bilhetes: tinham pago 200 € cada por lugares atrás da baliza, apesar de se tratar de um jogo comum da liga e não de uma partida internacional ou de uma final.
Os bilhetes foram comprados através de uma plataforma de revenda online e recebidos nas suas carteiras digitais (Google Wallet). Contudo, algo pareceu suspeito: um bilhete estava em nome de uma mulher registada como sócia do clube, e o outro era, na verdade, um código QR de um lugar de época — teoricamente válido para todos os jogos em casa da temporada, desde que fosse o primeiro a ser validado na entrada. Após o jogo, receberam uma mensagem a pedir que apagassem os bilhetes das suas carteiras digitais.
Entretanto, o The Guardian iniciou uma investigação e descobriu que o clube e as autoridades portuguesas já estavam a trabalhar no caso.
Contexto e evolução
A revenda de bilhetes não é um problema novo no FC Porto. Antes da eleição do atual presidente André Villas-Boas (antigo treinador do Chelsea e do Tottenham), a transferência e revenda de bilhetes de época era algo frequente e visível nos arredores do estádio, especialmente envolvendo os grupos organizados de adeptos. O principal grupo de apoio, os Super Dragões, recebia milhares de bilhetes a preços preferenciais, que eram depois revendidos nos arredores do Estádio do Dragão.
Quando Villas-Boas assumiu a presidência, prometeu restaurar a transparência e devolver a prioridade aos adeptos regulares. O clube revogou muitos dos privilégios concedidos às claques e implementou um sistema de bilhética totalmente digital, concebido para premiar a lealdade dos sócios. No entanto, os revendedores adaptaram-se rapidamente.
Mudaram-se para as zonas premium do estádio — mais caras, mas com maior valor de revenda — e tiraram partido do facto de o Estádio do Dragão, com capacidade para 50 000 lugares, esgotar frequentemente dias antes dos jogos, devido ao bom desempenho da equipa. Alargaram também os seus métodos: deixaram de usar apenas as grandes plataformas de revenda (que cobram comissões) e passaram a atuar através de grupos nas redes sociais, canais de WhatsApp e outras redes discretas para evitar fiscalização.
O FC Porto salientou: “O método mais comum de revenda era através de plataformas digitais… mas também detetámos grupos nas redes sociais, no WhatsApp e noutros canais mais informais e discretos.”
Investigação e medidas de autoridade
As autoridades portuguesas lançaram, em 2024, uma investigação mais ampla sobre esquemas de bilhética operados por grupos de adeptos. Um porta-voz da polícia confirmou que o FC Porto colaborou plenamente com as autoridades e atua como assistente no processo judicial em curso — embora o segredo de justiça se mantenha.
Como parte da operação, foram realizadas buscas nas instalações do clube, apreendidos 4 000 bilhetes, 44 000 € em dinheiro, bem como computadores e documentação. Treze pessoas foram constituídas arguidas até maio de 2024.
Resposta do clube e recuperações
O FC Porto afirma que já foram identificados e recuperados centenas de lugares para controlo do clube, embora o número deva aumentar à medida que a investigação avança. Os principais envolvidos enfrentam não apenas processos criminais, mas também possíveis sanções internas, incluindo expulsão definitiva de sócio, após a conclusão do caso.
O clube recorda ainda que os termos e condições oficiais proíbem expressamente a duplicação ou revenda de bilhetes: todos os bilhetes comprados através do site oficial são pessoais e intransmissíveis, e o FC Porto declina qualquer responsabilidade pelo uso indevido após a venda.
Reações dos adeptos e comentários
Alguns adeptos portugueses consideram que esta ação beneficia toda a comunidade de fãs, e não apenas os interesses comerciais do clube. Martha Gens, porta-voz da Associação Portuguesa de Adeptos (APDA), comentou:
“Estamos a falar de um país onde o salário mínimo mensal não chega sequer aos 1 000 €. Acreditamos que deveriam existir limites legais para o preço dos bilhetes. E, afinal, a revenda de bilhetes é um crime em Portugal — não podemos esquecer isso.”
Ainda assim, outros observam que o clube também sai beneficiado do ponto de vista comercial, ao recuperar lugares e eliminar o mercado paralelo que prejudica o valor dos preços oficiais e das quotas de sócio.
Implicações e perspetivas
A dimensão do esquema demonstra o quão sofisticadas se tornaram as operações modernas de fraude na bilhética: explorando registos de sócios, bilhetes de época, zonas premium, aplicações de mensagens privadas e passes digitais em carteiras virtuais. O facto de os turistas serem as principais vítimas revela como a procura elevada e as plataformas digitais de revenda se cruzam com o oportunismo.
Para o FC Porto, esta operação representa um passo decisivo na recuperação do controlo sobre os seus processos de bilhética e na proteção do acesso dos verdadeiros adeptos. As mudanças na gestão sob a liderança de André Villas-Boas, a implementação do sistema digital de fidelização e a cooperação com as autoridades surgem agora como medidas acertadas.
A mensagem para os adeptos é clara: comprar bilhetes em canais não oficiais é arriscado — não só pelo preço inflacionado, mas também pela possibilidade de o bilhete ser invalidado ou revogado pelo clube.
No panorama mais amplo do futebol, o caso reforça a necessidade de clubes, ligas e autoridades manterem-se um passo à frente dos revendedores, que continuam a adaptar-se. Sistemas de bilhética digital, passes nominais, registos rigorosos e monitorização constante dos canais de revenda tornam-se cada vez mais essenciais — especialmente em clubes cujos estádios esgotam rapidamente e atraem uma base de adeptos global.
Conclusão
Em suma, a ação decisiva do FC Porto contra uma rede de revenda ilegal de grande escala destaca tanto as vulnerabilidades dos sistemas modernos de bilhética como a eficácia de uma intervenção coordenada entre clubes e autoridades. Centenas de lugares já foram recuperados, e os responsáveis enfrentam consequências graves.
Para os adeptos genuínos, esta é uma mudança positiva: restaura o acesso justo aos bilhetes, combate os preços abusivos e reforça o valor dos canais oficiais e da adesão ao clube.