Um estudo académico recente da Universidade do Porto, publicado em janeiro de 2025, veio lançar luz sobre uma questão cada vez mais preocupante relacionada com o sistema de prospeção e recrutamento de jovens do FC Porto. A investigação abrangente, intitulada “A Geoestratégia do Recrutamento de Jogadores Jovens nos Clubes Portugueses”, apresenta uma avaliação detalhada sobre a forma como as maiores instituições do futebol português estruturaram as suas redes de recrutamento juvenil entre 2014 e 2023. As conclusões traçam um retrato inquietante para os azuis e brancos, revelando que o FC Porto detém a menor cobertura territorial de prospeção entre os três grandes, uma limitação que poderá ter consequências a longo prazo para a sustentabilidade da sua formação de talentos.
Um Estudo Baseado em Big Data e Mapeamento Territorial
A investigação, conduzida por Tiago Mendes-Neves, Ricardo Ferreira e Pedro Moreira, utilizou uma abordagem inovadora que combinou análise de big data, cartografia e avaliação de desempenho para compreender de que forma os clubes portugueses identificam, atraem e desenvolvem jovens jogadores. O estudo comparou as estratégias de prospeção do FC Porto, Benfica e Sporting CP, bem como de outros clubes de destaque como Braga e Vitória SC, ao longo de um período de dez anos.
A principal conclusão foi inequívoca: “O FC Porto desenvolve melhor do que recruta.” Embora o clube continue a formar jogadores tecnicamente talentosos através do seu reconhecido sistema de formação, a sua capacidade de descobrir jovens talentos em diferentes regiões do país tem-se enfraquecido de forma significativa.
Um Foco Restrito no Norte
Uma das revelações mais marcantes do relatório é a forte concentração regional do FC Porto. Entre 2014 e 2023, as operações de prospeção do clube estiveram essencialmente limitadas ao Norte de Portugal, especialmente nas áreas circundantes ao Porto e a Braga. Esta limitação geográfica resultou em vastas zonas do país — como o Alentejo, o Algarve e Trás-os-Montes — praticamente sem presença significativa de olheiros do clube.
De acordo com os investigadores, o FC Porto manteve, em média, entre 50 e 70 observadores ativos durante o período estudado. A maioria concentrava-se no Norte do país, complementada por um pequeno contingente a operar em mercados internacionais tradicionais como o Brasil e a Argentina. Embora essas regiões historicamente tenham trazido bons resultados ao clube, a falta de equilíbrio nacional nos esforços de recrutamento foi considerada “estrategicamente ultrapassada” pelos autores do estudo.
Rivais Expandem o Alcance Nacional e Internacional
Em contraste, os principais rivais domésticos do FC Porto — Benfica e Sporting CP — expandiram significativamente as suas infraestruturas de prospeção tanto em Portugal como no estrangeiro. O Benfica conta atualmente com mais de 170 observadores em todo o mundo, enquanto o Sporting CP emprega mais de uma centena. Ambos os clubes desenvolveram redes nacionais estruturadas, incluindo academias-satélite e centros de treino em várias regiões portuguesas, além de representantes de prospeção espalhados pela Europa, África e América do Sul.
Mesmo clubes de menor dimensão, como Braga e Vitória SC, demonstraram possuir uma cobertura geográfica mais ampla do que o FC Porto. Esta discrepância, segundo o estudo, não pode ser atribuída apenas a diferenças financeiras, mas sim a uma ausência de visão estratégica e adaptação organizacional dentro do modelo de prospeção portista.
Falta de Estratégia, Não de Recursos
Os investigadores argumentam que as limitações do FC Porto no recrutamento da última década não resultam de falta de recursos financeiros, mas sim de ausência de planeamento estratégico. A partir de 2014, o clube começou a reduzir os investimentos em observação direta e presença no terreno, passando a depender mais de redes informais, recomendações pessoais e contactos existentes. Essa mudança resultou numa perda gradual de presença e influência em regiões tradicionalmente pouco exploradas, mas ricas em talento emergente.
O relatório sublinha que, embora as medidas de contenção de custos possam ter influenciado algumas decisões, o efeito a longo prazo foi um estreitamento do raio de descoberta do clube, que historicamente tinha sido uma das suas maiores forças.
Formação Continua Forte — Mas Previsível
Apesar destas falhas estruturais, o sistema de formação e desenvolvimento de jogadores do FC Porto continua a apresentar resultados sólidos. O estudo identifica mais de duas dezenas de jogadores que transitaram com sucesso da formação para a equipa principal entre 2014 e 2023, evidenciando a qualidade técnica e pedagógica ainda presente no clube.
Contudo, a origem geográfica desses jogadores tornou-se cada vez mais previsível. A maioria dos novos talentos provém agora de territórios já familiares — especialmente do Norte de Portugal — em vez de regiões inesperadas ou pouco tradicionais. Este cenário contrasta fortemente com décadas anteriores, quando o FC Porto era reconhecido pela sua capacidade de descobrir pérolas escondidas em todo o país e no estrangeiro.
O relatório destaca esta transformação como uma mudança cultural profunda, observando que o clube se afastou da sua antiga filosofia de “ver primeiro, acreditar antes e chegar antes dos outros.”
Lições de Modelos Modernos de Prospeção
O estudo da Universidade do Porto também analisou exemplos internacionais de sucesso em prospeção. Clubes europeus como Brighton & Hove Albion, Toulouse FC e Brentford FC são citados como referências de modelos híbridos de recrutamento moderno, que combinam análises avançadas de dados com observação humana. Estes modelos asseguram um equilíbrio entre a precisão tecnológica e o toque pessoal e intuitivo que advém da experiência dos olheiros no terreno.
Segundo os autores, o FC Porto poderia beneficiar significativamente de uma abordagem híbrida semelhante — integrando ferramentas de análise de dados com uma rede nacional de prospeção renovada. Essa combinação permitiria ao clube reconstruir a sua reputação de descobridor precoce de talentos, mantendo simultaneamente os seus elevados padrões de formação.
Reforma Sob a Liderança de Villas-Boas
De forma encorajadora, fontes próximas da atual administração do FC Porto indicam que, sob a liderança de André Villas-Boas, já estão a ser dados passos concretos para revitalizar o departamento de recrutamento. O novo presidente, que assumiu funções com uma clara visão de modernização e reforço da identidade desportiva, terá iniciado um processo de reorganização do sistema de prospeção, com foco na integração entre análise de dados, observação no terreno e formação sistemática de novos olheiros.
O objetivo do clube, segundo essas fontes, é reconectar-se com o seu ADN histórico — redescobrir a identidade proativa e visionária que em tempos fez do FC Porto um dos clubes mais astutos da Europa na identificação de talentos. A administração de Villas-Boas encara esta reforma como uma prioridade estratégica para assegurar a competitividade e independência do clube face a um mercado de transferências cada vez mais inflacionado.
Um Aviso Simbólico e um Apelo à Ação
O estudo termina com uma nota reflexiva, reconhecendo a força duradoura do FC Porto na formação de jogadores, mas alertando para a perda de visão no recrutamento inicial. Nas palavras dos autores:
“O FC Porto mantém-se competente na formação, mas menos competitivo na descoberta. O desafio é redescobrir a visão que o tornou grande.”
Esta frase resume a mensagem central do estudo: embora a academia portista continue entre as mais produtivas da Europa, o clube corre o risco de perder a sua vantagem pioneira se continuar a depender apenas de territórios tradicionais e práticas informais de prospeção.
Olhar para o Futuro
Num panorama futebolístico global cada vez mais competitivo e orientado por dados, o FC Porto encontra-se perante uma encruzilhada estratégica. As conclusões da Universidade do Porto evidenciam a necessidade urgente de uma reforma profunda, não apenas para igualar a presença territorial de Benfica e Sporting, mas para reafirmar a identidade única do clube enquanto descobridor visionário de talentos.
Revitalizar a rede de prospeção, adotar tecnologias modernas e revalorizar a observação direta são vistos como passos essenciais para restaurar o “olho clínico” que fez do FC Porto um modelo de excelência no futebol europeu.
Para os dragões, a mensagem é clara: o futuro dependerá não apenas de como formam os seus jogadores, mas de quão ousadamente se atrevem a descobri-los.