GP da Áustria da Yamaha: um fim de semana duro exposto — e por que não deve deixar marcas
A viagem da Yamaha ao Red Bull Ring transformou-se num dos fins de semana mais penosos do ano para o fabricante. Ao longo de três dias, Fabio Quartararo, Alex Rins, Miguel Oliveira e Jack Miller lutaram com uma YZR-M1 pouco cooperativa, que se recusou a produzir tempos competitivos. O que se seguiu foi uma sucessão de dificuldades na qualificação, corridas no fundo do pelotão e desabafos francos dos pilotos que pintaram um retrato implacável de onde o pacote falha — e de por que razão a Áustria, em particular, amplia essas fraquezas.
Os resultados, sem filtros
Qualificação: Quartararo foi o melhor Yamaha em 16º, com Rins em 17º, Oliveira em 18º e Miller em 20º num grid de 20 motos. Para Miller, foi a sua pior posição de largada desde a última prova de sua temporada de estreia em 2015 — 172 corridas atrás.
Sprint: Largadas comprometidas de dois pilotos Ducati (Francesco Bagnaia e Fermín Aldeguer) do lado sujo da pista ajudaram Quartararo a subir momentaneamente na ordem; ele terminou em 11º. Rins, Miller e Oliveira ocuparam as últimas três posições.
GP (28 voltas): Os quatro Yamaha rodaram no fundo do pelotão em ritmo puro. Apenas uma queda de Jorge Martín (Aprilia) e uma falha de motor de Fabio Di Giannantonio (Ducati) evitaram um zero absoluto; Quartararo resgatou o 15º lugar e 1 ponto.
Por que o Red Bull Ring expõe a Yamaha
Desde o seu regresso ao MotoGP em 2016, Spielberg tem sido um circuito atípico: longas acelerações que desembocam em curvas fechadas quase em ângulo reto; zonas repetidas de travagem forte; ênfase em velocidade de ponta e tração na saída de curva. A M1 — tradicionalmente mais eficaz em sequências fluídas, rápidas mudanças de direção e curvas encadeadas — encontra aqui poucos dos seus pontos fortes naturais.
Fatores-chave que empilharam as dificuldades:
Perfil de travagem: Cinco das dez curvas exigem forte desaceleração. Isso transfere repetidamente a carga para a frente e dificulta a sustentação da traseira e a tração subsequente — duas áreas que a Yamaha vem perseguindo durante todo o ano. Exigências de aceleração: O ritmo de “frear, contornar e disparar” acentua qualquer deficiência de potência em linha reta e de tração na saída. Alocação de pneus: A Michelin traz para a Áustria um composto traseiro mais duro, específico, para lidar com a severidade do circuito em termos de travagem/tração. É um compromisso voltado para a segurança — janelas de aderência traseira reduzidas e maior consumo de combustível — mas cujas características prejudicam particularmente a capacidade da M1 de gerar e manter carga na traseira no momento crítico da retomada de aceleração.
Em suma, o Red Bull Ring parece quase desenhado para evidenciar os pontos fracos atuais da Yamaha e ao mesmo tempo neutralizar suas qualidades.
Quão ruim foi em números?
As folhas de tempos confirmam o que os olhos já viam.
Ritmo de uma volta: Quartararo — geralmente um dos qualificadores mais afiados da MotoGP — não passou do 16º lugar, 0.7s atrás da pole de Marco Bezzecchi. Um contraste gritante com o início da temporada, quando fez várias poles (de Jerez a Silverstone) e outra em Assen, apenas três provas antes da Áustria. Déficit no Sprint: Em 14 voltas, Quartararo terminou em 11º, a 13.387s do vencedor Marc Márquez, sendo o único Yamaha a não perder um segundo por volta para os líderes. Déficit no GP: Em 28 voltas, Quartararo cruzou em 15º, +25.256s atrás de Márquez. Novamente limitou melhor os danos que os colegas, mas o quadro agregado continuou sombrio. Deriva no ritmo de corrida: O estreante Ai Ogura (Aprilia) terminou uma posição e seis segundos à frente de Quartararo, enquanto o quarteto Yamaha rodava em bloco no fundo. Miller foi o único Yamaha cuja melhor volta ficou dentro de um segundo da volta mais rápida da corrida (1:29.533, de Bezzecchi, na volta 4), mas seu ritmo caiu no final; ele e os colegas passaram longos períodos girando na casa de 1:32. Das 20 voltas totais no campo inteiro registradas nesse ritmo, 16 foram de pilotos Yamaha. O que disseram os pilotos — traduzido em lições
Quartararo: O francês afirmou que o fim de semana não ofereceu nada de útil: a moto não mostrou potencial desde as primeiras saídas, a leve promessa de sexta-feira evaporou em ritmo de corrida e os quatro Yamahas juntos no fundo falaram por si.
Lição: a base da M1 em Spielberg estava tão fora da janela operacional que não foi possível recolher dados de desenvolvimento relevantes.
Oliveira: Com mais de cem largadas na classe rainha para comparar, teve dificuldade em recordar um domingo mais difícil. Destacou falta de aderência traseira tanto para acelerar quanto para apoiar a entrada de curva, e apontou as travagens como fraqueza estrutural — embora observasse que Quartararo consegue disfarçar parte disso com sua pilotagem de elite.
Lição: nem mesmo travagens excepcionais do piloto conseguem compensar de forma consistente o desajuste chassi/pneu/carga traseira visto aqui.
Miller: Enfatizou a incompatibilidade entre pneu e moto. Independentemente da técnica — trocar marchas cedo, usar o acelerador com extrema paciência — a traseira descarregava e patinava acima dos 120–130 km/h, destruindo a tração (especialmente na última curva). Também citou a travagem em subida nas curvas 1 e 3 como fator de colapso traseiro em diferentes momentos, corroendo a confiança.
Lição: o pneu traseiro específico trazido para a Áustria interagiu mal com a filosofia de acerto da Yamaha, causando patinagem crônica e instabilidade justamente onde o tempo de volta se decide.
Contexto na hierarquia de 2025
A Ducati dita o ritmo atual e, embora ninguém espere que a Yamaha troque vitórias com a Desmosedici semana após semana, a Áustria foi um extremo. Mesmo nos anos em que Márquez dominava o campeonato com a Honda, a Ducati tratava Spielberg como pista “certa para vitória”; inversamente, este se tornou o pior cenário para a M1. Essa dinâmica, amplificada pelo pneu traseiro exclusivo da Michelin e pelo estilo “frear e disparar” do traçado, tornou o último fim de semana ainda mais duro do que a média da temporada.
Não é problema de pilotos
Entre Quartararo, Rins, Oliveira e Miller somam 26 vitórias em MotoGP, 80 pódios e um título mundial (Quartararo, 2021). Não se trata de déficit de talento. A diferença de performance está enraizada nas características da moto e em como certos circuitos ativam — ou punem — essas características.
Obstáculos operacionais agravaram a dor
O fim de semana de Miller ainda foi prejudicado por incidentes adicionais: falha de motor no treino de sexta, cabo do acelerador rompido no aquecimento de domingo e falta de combustível momentos após cruzar a meta na corrida. Para um pacote já fora da janela ideal de acerto, essas interrupções reduziram ainda mais o tempo útil de pista e a confiança.
Por que isso não deve virar o “novo normal”
O Red Bull Ring é um “único” no calendário: curto, travado e exigente em travagens e retomadas quadradas. As fragilidades da Yamaha em 2025 — falta de potência final, dificuldade em aplicar pneu traseiro após grandes travagens e em manter carga traseira durante aceleração — são todas desproporcionalmente expostas aqui. Isso faz da Áustria um mau indicador do desempenho noutras pistas, especialmente naquelas com sequências mais longas e fluídas, onde o equilíbrio do chassi da M1 e sua agilidade em mudanças de direção podem ser explorados.
O fator pneu em termos simples
O traseiro específico da Michelin para a Áustria é uma escolha de segurança para um circuito atípico. As trocas: janela de aderência mais estreita, menor absorção de irregularidades na saída de curva e maior consumo de combustível. Para a Yamaha — já com dificuldade em manter carga na traseira em zonas de aceleração — essas características reduziram ainda mais a margem de manobra. Os pilotos tentaram compensar com técnica, mas quando o pneu descarrega, a patinagem surge cedo e a tração desaparece, destruindo tempo de volta e saúde do pneu à distância.
O que muda em Balaton Park
O MotoGP segue agora para Balaton Park (Hungria) — asfalto novo, escolha diferente de pneus e um traçado que, com base no Mundial de Superbike, parece mais “stop-and-go” do que a Yamaha gostaria. Quartararo admitiu que, à primeira vista, pode não favorecer a M1, mas o simples fato de não ser Spielberg já é um alívio. Superfície nova, dados novos e a oportunidade de procurar equilíbrio sem as restrições extremas da Áustria oferecem uma leitura mais limpa sobre onde a moto realmente está.
Miller adotou um tom pragmático: fins de semana ruins acontecem, você calça as botas de novo e volta ao trabalho. A esperança — partilhada na garagem Yamaha — é que a confluência de fatores específicos da Áustria e um acerto fora de tom tenham comprimido vários problemas em um evento atípico. Com pneus, temperaturas e exigências geométricas diferentes, a M1 deve mostrar um leque de possibilidades menos limitado.
Conclusão
A Áustria foi uma tempestade perfeita: um circuito que expõe as atuais fraquezas da Yamaha; um pneu que reduziu ainda mais a margem de aderência traseira; e uma moto que lutou para manter suporte e tração exatamente onde Spielberg mais exige. O resultado foi um fim de semana em que simplesmente completar as voltas tornou-se o objetivo, e disputar em pé de igualdade com rivais foi praticamente impossível.
Foi realmente tão ruim — mas também altamente específico. A Yamaha não precisa se transformar numa Ducati para parecer mais competitiva; precisa de pistas onde o equilíbrio da M1 e sua fluidez curva a curva tenham maior peso, e de uma janela de pneu que permita manter carga traseira ao acelerar. Balaton Park não é garantia de milagre, mas um reset fora do “outlier” da Estíria deve ao menos oferecer uma luta mais justa e sinais de desenvolvimento mais claros.