A época 2024/25 no FC Porto seria sempre desafiante. O clube assistiu ao fim de uma era com a saída de Jorge Nuno Pinto da Costa, o presidente mais condecorado da história do futebol, depois de quatro décadas no comando. O seu sucessor, André Villas-Boas (AVB), regressou ao clube não como treinador, mas como presidente, munido de ambiciosas promessas de reforma, revisão estrutural e responsabilização.
AVB, que levou o Porto a uma tripla coroa em 2010/11 antes de partir abruptamente para o Chelsea, tinha assuntos pendentes. O seu regresso pretendia marcar um novo amanhecer. Mas, em poucas semanas, a controvérsia surgiu. Substituiu o lendário treinador do clube, Sérgio Conceição, que apoiava Pinto da Costa, pelo adjunto de Conceição, Vítor Bruno – uma decisão que provocou indignação entre os adeptos e confusão na comunidade futebolística.
Um clube dividido, um início difícil
As tensões já eram elevadas, enquanto o clube lutava para recuperar de anos de decisões questionáveis sob a liderança anterior, algumas das quais foram confirmadas por um relatório de auditoria contundente. A saída de Conceição, aliada à saída de jogadores importantes como Pepe, Mehdi Taremi e Evanilson, deixou a equipa sem liderança e direção.
As restrições financeiras também significaram um orçamento de transferência limitado. A nova administração terá encontrado apenas 8.000€ nas contas do clube. Ainda assim, o Porto deu algumas movimentações no mercado, trazendo nomes como Samu, Francisco Moura, Nehuén Pérez, Tiago Djaló e Fábio Vieira. O avançado Deniz Gül era uma aposta para o futuro. Entretanto, Bruno tentou revitalizar as carreiras de jogadores anteriormente marginalizados, como Fran Navarro e David Carmo, um esforço que falhou em grande parte.
Apesar de tudo isto, o mandato de Bruno começou promissor. O Porto conseguiu uma dramática vitória de reviravolta por 4-3 sobre o Sporting na Supertaça, depois de estar a perder por 3-0. Mas esse acabou por ser o ponto alto. As performances declinaram rapidamente. As derrotas com Bodo/Glimt, Benfica, Lazio, Sporting (duas vezes) e Moreirense evidenciaram a falta de estrutura, liderança e identidade tática da equipa.
Gafes de comunicação e confusão tática
As dificuldades de Bruno não se limitaram ao campo. As suas declarações públicas eram frequentemente pouco claras ou bizarras. Quando questionado sobre o seu rompimento com Conceição, afirmou enigmaticamente: “Adormeço todos os dias com os aplausos da minha consciência”. Proferiu ainda frases intrigantes como: “A única pessoa que conheço que deu passos atrás é Michael Jackson”.
Tais comentários, somados às fracas exibições da equipa, só aumentaram a perceção de que estava a perder o controlo. Mesmo nas vitórias, o Porto parecia pouco convincente — faltava-lhe consistência, coesão e resiliência.
Até novembro, o Porto tinha sofrido três derrotas consecutivas, algo que não acontecia há 16 anos. Pior ainda, voltou a acontecer em janeiro, marcando a primeira vez em 52 anos que o Porto sofreu duas sequências de três derrotas numa só temporada.
O Ponto de Ruptura
O ponto mais baixo aconteceu num jogo adiado da liga contra o Nacional. Retomando a partida a 12 de janeiro, o Porto sofreu dois golos rápidos, o segundo devido a uma substituição mal cronometrada num pontapé de canto. Terminaram o primeiro tempo sem registar um único remate.
As coisas não melhoraram no jogo seguinte, frente ao Gil Vicente. Depois de empatar no início da segunda parte, o Porto voltou a ficar para trás e terminou a partida com dois cartões vermelhos e mais uma derrota. As explicações de Vítor Bruno após o jogo — como “precisávamos de marcar mais golos” — só reforçaram a crescente crença de que estava fora de forma.
A sua relação com os principais jogadores também se deteriorou. Pepe, o defesa veterano, foi dispensado e depois acusado pelo treinador de falta de empenho. Pepe respondeu sarcasticamente nas redes sociais, dizendo que treinou à parte simplesmente porque “rematou demasiado forte num mini-golo”.
A gota de água surgiu após a derrota com o Olympiacos na Liga Europa — a quarta derrota consecutiva do Porto, igualando a pior campanha do clube há 60 anos. A 20 de janeiro, o clube confirmou a saída de Bruno.
Em busca da estabilidade
O treinador interino José Ferreirinha Tavares assumiu interinamente o comando, mas a equipa continuou vacilante. Com a qualificação para a Liga dos Campeões em risco e desempenhos nacionais inconsistentes, Villas-Boas reconheceu a crise numa rara aparição pública. Confirmou medidas disciplinares contra Pepe e admitiu que o planeamento para a temporada foi precipitado e falho.
O Porto precisa agora urgentemente de um líder que consiga estabilizar o plantel, unir o balneário e trabalhar dentro dos limites de um orçamento apertado. Nomes como Maurizio Sarri, Xavi Hernández, Abel Ferreira, Luís Castro e Paulo Fonseca foram sugeridos, mas um homem surgiu como o candidato escolhido.
Martín Anselmi: O Novo Homem no Comando
O técnico argentino Martín Anselmi, de apenas 39 anos, deverá assumir o cargo. Discípulo de Marcelo Bielsa, Anselmi iniciou o seu percurso profissional não no futebol, mas no jornalismo. Desistiu, vendeu a sua mota e viajou para a Europa para encontrar o seu ídolo, Bielsa. De regresso à Argentina, começou a treinar não remuneradamente em sistemas juvenis, contando com o apoio da sua mulher.
Anos mais tarde, a sua persistência valeu a pena. Venceu o campeonato equatoriano e a Taça Sul-Americana com o Independiente del Valle e tornou-se um menino querido dos adeptos no clube mexicano Cruz Azul. No entanto, a sua relação com o clube azedou, e o seu desejo de ingressar no Porto causou polémica, com acusações de traição a atrasarem a sua libertação.
Agora pronto para o seu primeiro trabalho na Europa, Anselmi traz um sistema tático 3-4-3 e um forte estilo motivacional enraizado naquilo a que chama “cabeça, coração e coragem” — uma filosofia retirada da estrela do ténis Carlos Alcaraz. Resta saber se tem “cabeça” para as complexidades do futebol português, mas a sua paixão e história sugerem que não lhe faltarão as outras duas.
É improvável que Anselmi esteja no banco de suplentes para o jogo do fim de semana contra o Santa Clara, mas enfrentará um batismo de fogo quando o Porto viajar para defrontar o Maccabi Tel Aviv na próxima quinta-feira, num confronto decisivo da Liga Europa.