A rivalidade entre o FC Porto e o SL Benfica tem sido um aspeto definidor da Primeira Liga nos últimos setenta anos. No final da década de 1950, o Benfica emergiu como a força dominante no futebol português, ultrapassando o Sporting CP e tornando-se o principal clube do país. No entanto, na década de 1990, o Porto assumiu o seu lugar, consolidando-se como uma equipa superior e ultrapassando o Benfica no processo. A rivalidade entre os dois clubes não se resume apenas ao futebol; representa uma intensa batalha pela supremacia no desporto português, transcendendo muitas vezes o campo.
Embora o Porto já tenha sido um adversário difícil para o Benfica, houve uma altura em que raramente competiam. Uma partida particularmente inesquecível para os portistas ocorreu a 31 de janeiro de 1971, quando um avançado pouco conhecido, Lemos, marcou quatro golos ao poderoso Benfica, liderado pelo seu craque Eusébio. Este feito notável, embora esquecido por muitos, continua a ser uma das maiores exibições da história da rivalidade Porto-Benfica.
As lutas e o ponto de viragem do Porto
No início da década de 1970, o Porto atravessava momentos difíceis. Não conquistavam um título de campeão há mais de uma década e, na época 1969/70, sofreram o seu pior resultado, ficando em 9º lugar na liga. Este período de baixo desempenho foi agravado pela turbulência interna. O presidente do clube, Afonso Pinto de Magalhães, teve um desentendimento público com o treinador José Maria Pedroto, que já tinha sido um jogador-chave na década de 1950 e depois tentou reconstruir a equipa como treinador. Apesar de algum sucesso inicial, a abordagem profissional de Pedroto levou a conflitos com jogadores experientes, culminando na sua demissão pelo presidente. Esta decisão levou a uma longa disputa, com Pedroto a ser banido do clube.
Apesar disso, o Porto começou a dar sinais de recuperação. Na época de 1970/71, voltaram à boa forma, competindo perto do topo da tabela. Sob o comando do treinador António Teixeira, o Porto foi revitalizado, contando fortemente com uma mistura de jovens jogadores da sua academia, como Custódio Pinto, Rolando e Rui, sendo o jogador principal Pavão, um médio talentoso. Lemos, um jogador formado na formação e nascido em Angola, regressou ao clube após uma breve passagem pelo Boavista e, embora as suas primeiras exibições tenham sido dececionantes, cedo viria a causar um impacto dramático.
O Jogo Icónico Contra o Benfica
A 31 de Janeiro de 1971, o Porto defrontou o Benfica numa muito aguardada partida do campeonato no estádio das Antas. O Benfica, campeão em título, era uma força dominante no futebol português há anos e esperava-se que derrotasse facilmente o Porto. No entanto, o Porto voltou em força, e Lemos, que até então tinha sido bastante ignorado, roubou a cena. Depois de 20 minutos tensos, o Porto inaugurou o marcador quando Pavão, com um arranque brilhante, fez um passe para Lemos finalizar com facilidade.
O segundo tempo viu o Porto continuar o seu domínio. Lemos rapidamente somou o segundo golo apenas um minuto após o intervalo, com um remate potente de um ângulo difícil que surpreendeu o guarda-redes do Benfica, José Henrique. Apenas oito minutos depois, Lemos completou o seu hat-trick com um remate brilhante sobre Henrique, que chocou com ele durante a tentativa, deixando Lemos temporariamente lesionado. Apesar disso, Lemos continuou a jogar e, a coxear, marcou o seu quarto golo, garantindo a vitória do Porto por 4-0. A partida foi marcante não só pelo marcador, mas pelo brilhantismo individual de Lemos, que levou para casa vários prémios pela sua prestação, entre os quais guarda-chuvas, tinta e mobiliário — prémios oferecidos por empresas locais.
Embora a vitória do Porto os tenha levado ao terceiro lugar na liga, as suas esperanças de título foram frustradas nas semanas seguintes devido a resultados decepcionantes, incluindo um empate contra a Académica e uma derrota para a CUF. No final, o Benfica garantiu o título da liga, mas esta partida continuou a ser um momento brilhante para o Porto.
Declínio e últimos anos de Lemos
Apesar da sua inesquecível prestação, a carreira de Lemos nunca mais atingiu os mesmos patamares. Três anos depois dessa partida icónica, a tragédia aconteceu quando o seu colega de equipa Pavão morreu em campo durante um jogo contra Setúbal. A carreira de Lemos foi também prejudicada por lesões e, depois de ter sido convocado para servir nas guerras coloniais na Guiné-Bissau, esteve afastado dos relvados durante um ano. Em meados da década de 1970, começaram a surgir novos talentos no Porto, e o clube contratou jogadores de destaque como Teófilo Cubillas, tirando Lemos da equipa titular.
Em 1975, Lemos deixou o Porto e passou o resto da sua carreira a jogar nas divisões inferiores do futebol português em clubes como o Espinho, Paredes, Académico de Viseu e Sanjoanense antes de se retirar no Infesta.
Embora a carreira de Lemos não tenha correspondido às promessas iniciais, a sua exibição de quatro golos ao Benfica naquele dia frio de janeiro de 1971 continua gravada nos anais da história do Porto. O seu nome ficará para sempre ligado a uma das maiores exibições individuais na histórica rivalidade entre o Porto e o Benfica, garantindo que o seu contributo para o futebol português nunca será esquecido.